Embora os conceitos sejam frequentemente associados ao empreendedorismo, tecnologia e transformação econômica, eles diferem substancialmente em termos de propósito, componentes, escopo e mecanismos de operação.
No atual ambiente econômico globalizado, que afeta todos os mercados e segmentos organizacionais – privados e públicos – o desenvolvimento contínuo de elementos que proporcionem vantagem competitiva às empresas e organizações é algo fundamental. Há uma espécie de ‘darwinismo econômico’, pelo qual só sobreviverão e prosperarão aquelas empresas e organizações que se adaptarem melhor a esta realidade, desenvolvendo inovações de forma contínua.
Portanto, vale relembrar que, apesar da similaridade entre os termos ‘novidade’ e ‘inovação’, elas não têm relação direta entre si. Toda inovação certamente traz novidade, mas nem toda novidade é uma inovação. A diferença crucial é que a inovação leva vantagem competitiva para a empresa ou organização que a desenvolveu ou detém, lembrando que o contexto atual merece atenção global. Ou seja, é necessário ser melhor que os concorrentes que podem estar em qualquer lugar do mundo.
No âmbito dos territórios, para garantir um desenvolvimento sustentável, que, conforme a Tripple Bottom Line, equilibra as dimensões econômico-financeira, social e ambiental, é necessário um esforço coletivo. A partir disso é que se percebe a utilização da expressão ‘ecossistema’ para explicar de forma metafórica as relações que precisam existir entre diferentes atores de um território para garantir esse desenvolvimento desejado.
No caso da inovação – que pelas razões já expostas é um elemento crucial nas estratégias de todas as organizações, principalmente as empresas – há algum tempo se percebe o estudo e a aplicação de ideias relacionadas ao desenvolvimento de ‘ecossistemas de inovação’. Mais recentemente, também se percebe que alguns territórios têm buscado desenvolver ‘ecossistemas de startups’.
Embora ambos os conceitos sejam frequentemente associados ao empreendedorismo, tecnologia e transformação econômica, eles diferem substancialmente em termos de propósito, componentes, escopo e mecanismos de operação. Neste artigo, serão exploradas essas diferenças, analisando os papéis que cada um desempenha no desenvolvimento socioeconômico, na geração de valor e na promoção da competitividade em nível global.
Os ecossistemas de inovação são estruturas amplas, interconectadas e colaborativas que envolvem múltiplos atores, tais como universidades, centros de pesquisa, governos, empresas de diferentes portes, organizações não governamentais (ONGs) e sociedade civil. Seu objetivo principal é a criação, a disseminação e a aplicação de conhecimento para gerar inovações em produtos, serviços, processos ou modelos de negócio.
Esse tipo de ecossistema é construído em torno da colaboração estratégica entre os diversos atores envolvidos, permitindo que tecnologias e ideias inovadoras sejam testadas, aprimoradas e transformadas em inovações aplicáveis a diferentes setores da economia. Assim, esses ecossistemas têm como característica principal a promoção de um ambiente em que a inovação contínua ocorre por meio de múltiplas interações e feedbacks entre seus participantes. Nota-se que, no centro dos ecossistemas de inovação estão, principalmente, as empresas e organizações já estabelecidas, que precisam desenvolver inovações continuamente para sobreviverem e prosperarem, no atual cenário de competitividade global.
Por outro lado, os ecossistemas de startups estão focados em promover a criação e o crescimento deste tipo particular de empreendimento.
Importante relembrar que, a partir de três referências relevantes (Eric Ries, ABStartups e StartSe), compreende-se que Startup é um novo empreendimento desenvolvido em um cenário de incertezas, pois visa criar um produto ou serviço com carga significativa de inovação e com um modelo de negócios que permita um rápido crescimento, em larga escala. Portanto, nota-se claramente que Startup não é apenas um sinônimo de empresa nascente de base tecnológica; é, acima de tudo, uma estratégia de desenvolvimento de empreendimentos inovadores que visa uma alta vantagem competitiva e que pode, inclusive, ser desenvolvida por empresas estabelecidas.
No entanto, percebe-se que a absoluta maior parte das startups têm surgido na forma de novas empresas – e aqui percebe-se uma falha significativa por parte das empresas já estabelecidas. Por ser um tipo bastante particular de empreendimento, os territórios começaram a desenvolver estruturas distintas daquelas previstas nos ecossistemas de inovação.
Esses ecossistemas incluem startups, investidores (como venture capital e business angels), aceleradoras, incubadoras, espaços de coworking, mentores e outros facilitadores, todos com o objetivo de ajudar as startups a crescer rapidamente e se posicionarem no mercado global. A ênfase está na agilidade, escalabilidade e na capacidade de adaptação a mudanças rápidas no ambiente de negócios.
A imagem abaixo, a partir de uma proposta da organização Startup Commons, mostra uma visão interessante, sobre os ‘pesos’ de alguns dos principais atores e serviços que coexistem em ambos os ecossistemas. Nota-se diferenças significativas, que mostram que, em um ecossistema de inovação, o protagonismo está nas organizações estabelecidas; já nos ecossistemas de startups o protagonismo está focado neste modelo de empreendimento. É importante destacar que, mesmo trazendo uma visão importante, há um viés natural nesta imagem, pois foi elaborada por uma organização que claramente defende sua visão de que a solução para os ecossistemas reside nas Startups. Além disso, tem uma visão reducionista de que as Startups só podem ser criadas fora das empresas estabelecidas, o que não necessariamente é verdade.
A principal diferença entre os dois ecossistemas reside em seus propósitos. Os ecossistemas de startups claramente focam no desenvolvimento de empreendimentos altamente inovadores, com o potencial de criar novos mercados. Lembrando do modelo das cinco forças de Porter, duas delas são afetadas. Primeiro – e principalmente – a força da ameaça dos produtos substitutos, pelas startups que trazem inovações radicais ou disruptivas, que criam novos mercados. Segundo, a força da ameaça de novos entrantes, com startups com inovações significativas, que não necessariamente criam novos mercados, mas têm o potencial de mudar bastante a dinâmica concorrencial.
Já os ecossistemas de inovação têm uma perspectiva mais ampla. Eles buscam promover um ambiente de experimentação, aprendizado e desenvolvimento de inovações para garantir a competitividade, principalmente – mas não somente – das empresas e organizações já estabelecidas. Em um ecossistema de inovação, as inovações podem ocorrer em qualquer parte da cadeia de valor, seja por meio de novas tecnologias, novos processos de gestão, metodologias, ou novas formas de engajamento com a sociedade. Essas inovações desenvolvidas podem ser incorporadas aos negócios já existentes, mas também podem ser desenvolvidas por meio de startups, além de outros modelos de negócio que não necessariamente sejam tão disruptivos ou escaláveis.
Outro ponto de divergência significativo entre esses dois tipos de ecossistemas é o “peso” do envolvimento dos diferentes tipos de atores. É importante lembrar que o modelo da quádrupla hélice – com atores da Administração Pública, da Iniciativa Privada, das Instituições Acadêmicas e da Sociedade Civil -, ou de outros modelos similares, vale para ambos os tipos de ecossistemas. O que varia é a importância e o esforço necessário por parte dos atores de cada ‘hélice’ para que o ecossistema seja bem sucedido.
A imagem que ilustra a visão da Startup Commons sobre as diferenças entre os ecossistemas de inovação e os ecossistemas de startups mostra bem isso. Como a inovação é uma atividade eminentemente empreendedora, é natural que em ambos os casos haja um protagonismo das organizações da iniciativa privada. No entanto, nos ecossistemas de inovação, deve haver um equilíbrio entre todos os atores, de todas as ‘hélices’, já que todos precisam inovar para desenvolver vantagem competitiva, de forma sustentada e contínua, nos seus respectivos mercados de atuação. Especialmente sobre as organizações privadas, o protagonismo tende a ser dividido entre as inovações com menor carga de inovação, tipicamente desenvolvidas por empresas estabelecidas, e as inovações com maior impacto inovador, criadas por startups – tanto aquelas oriundas de novos grupos empreendedores, quanto de empresas estabelecidas.
Já nos ecossistemas de startups, como o próprio nome já diz, os principais atores são as startups em si. Ou seja, o protagonismo continua na ‘hélice’ da iniciativa privada, mas com menor protagonismo das empresas estabelecidas e das inovações com menor carga inovativa.
Nesses ecossistemas, as demais ‘hélices’ desenvolvem atividades para proporcionar o desenvolvimento contínuo e sustentado de startups, considerando mecanismos específicos de acordo com as necessidades para cada etapa da jornada do empreendedorismo inovador, a partir de modelos como aquele utilizado pelo Sebrae em todo o Brasil. Esses mecanismos podem ser serviços de apoio, ou até mesmo diferentes veículos de financiamento e o foco é colocado em garantir que as startups recebam apoio estratégico, econômico e de capital, de modo a impulsionar seu crescimento rápido e eficaz nos seus respectivos mercados.
Ecossistemas de startups mais maduros também passam a priorizar iniciativas de desenvolvimento de novas tecnologias disruptivas, que podem ser úteis para criar startups. Com isso, o papel das atividades de pesquisa científica e tecnológica realizadas por Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICT) passa a ser mais relevante.
Um outro ponto importante relacionado ao envolvimento dos atores diz respeito às estruturas de governança. Em ambos os tipos de ecossistemas é recomendável desenvolver estruturas orientadas para as vocações econômicas de cada território, na forma de Clusters de Inovação ou similares. No entanto, esta necessidade é maior para os ecossistemas de inovação, que precisam de maior coesão, dado o equilíbrio dos papéis dos diferentes atores. Já em ecossistemas de startups é possível ver casos de sucesso onde os Clusters não são tão importantes. Nesses casos, nota-se o desenvolvimento de startups de maneira diversificada, com algum foco nas competências econômicas locais, mas sem a organização clusterizada e nem as teses de investimentos bem definidas, como o que acontece nos ecossistemas de inovação bem-sucedidos.
Um elemento fundamental que diferencia os dois ecossistemas é o foco em escalar rapidamente versus desenvolver vantagem competitiva sustentada. Os ecossistemas de startups, em geral, priorizam o crescimento rápido, conhecido como “escala”. Isso significa que as startups são incentivadas a encontrar rapidamente seu product-market fit (produto ou serviço adequado às necessidades do mercado) e expandir suas operações, muitas vezes com o objetivo de receberem grandes investimentos, serem adquiridas por uma grande corporação ou, até mesmo, de fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO) – esta última opção ainda uma exceção no Brasil.
Os ecossistemas de inovação, no entanto, tendem a enfatizar o desenvolvimento contínuo e sustentado de vantagem competitiva por meio da inovação, para garantir a sobrevivência das organizações já estabelecidas no território, preferencialmente em posições de liderança nos seus respectivos mercados. Isso significa que o foco não está apenas no crescimento rápido, mas também na criação de soluções inovadoras que possam ter impactos positivos duradouros, não só no mercado, mas também na sociedade e no meio ambiente. A velocidade média da inovação nesses ecossistemas pode, portanto, ser mais lenta e mais focada na qualidade e no equilíbrio do impacto nas dimensões econômica, social e ambiental, do que na escala mercadológica.
Os dois ecossistemas têm impactos distintos no desenvolvimento dos seus respectivos territórios. Os ecossistemas de startups tendem a impulsionar o desenvolvimento com foco principalmente econômico-financeiro e de forma rápida. Muitas vezes, são eles que lideram as transformações em mercados emergentes e geram novos modelos de negócios disruptivos. Tudo isso se traduz pela criação de empregos e novas oportunidades de negócios de maneira rápida, especialmente em setores intensivamente tecnológicos, especialmente focando as tecnologias da informação e da comunicação (TIC), mas muitas vezes considerando outras tecnologias tais como biotecnologia, nanotecnologia, mecatrônica, aeroespacial, etc.
Os ecossistemas de inovação, por sua vez, têm um impacto mais difuso e de longo prazo, com a criação de valor que se distribui por diversos setores da economia, especialmente aqueles com maior relevância em cada território. Além disso, diferentes tipos de inovações são desenvolvidas ao mesmo tempo, para garantir a competitividade das empresas, sejam aquelas já estabelecidas ou novos negócios inovadores. Ao desenvolver inovação em diferentes frentes de trabalho e de maneira sustentada, esses setores, organizados em clusters, provocam um impacto mais amplo na sociedade local como um todo, mesmo que isso demande mais tempo para maturar.
É importante estimular o desenvolvimento de startups. Porém, não se deve esquecer que as organizações estabelecidas comandam a economia do país em faturamento, geração de riquezas, empregos e renda
Nota-se claramente que ecossistemas de inovação e ecossistemas de startups são bastante diferentes. Entender essas diferenças é essencial para formuladores de políticas, investidores e empreendedores que desejam atuar nesses ecossistemas de forma eficaz para promover um desenvolvimento equilibrado e sustentável.
No Brasil, apesar de frequentemente ser utilizada a expressão ‘ecossistema de inovação’ para explicar o fenômeno nos diferentes territórios do país, percebe-se que na realidade se tem desenvolvido muito mais os ecossistemas de startups. Isto pode ser explicado não apenas pelo próprio foco na geração de startups, mas principalmente pelo ‘generalismo econômico’, pelo protagonismo dos serviços de apoio e dos mecanismos de financiamento especificamente para as startups, bem como por uma certa ausência das empresas estabelecidas de todos esses processos.
Em termos das políticas públicas, isto é uma boa notícia, mas também traz um alerta. No atual cenário econômico global é sim importante estimular o desenvolvimento de startups. Porém, não se deve esquecer que as organizações estabelecidas comandam a economia do país, em faturamento, geração de riquezas, empregos, renda, arrecadação tributária, etc. Vários indicadores mostram que as empresas brasileiras, especialmente as indústrias, estão falhando em inovar e, com isso, perdendo competitividade – fenômeno chamado de ‘desindustrialização’.
É por isso que urge ter políticas públicas para desenvolver efetivamente os ecossistemas de inovação no Brasil, o que não tem sido bem realizado até o momento. Então, apesar das evidentes diferenças entre os modelos dos ecossistemas de inovação e ecossistemas de startups, é fundamental que sejam criadas diretrizes para que ambos convivam de maneira integrada. Considerando a complexidade das dinâmicas sociais e econômicas nos diferentes territórios, tudo parece indicar que o mais adequado é que os modelos de ecossistemas de inovação recepcionem de uma maneira prioritária as dinâmicas e práticas dos ecossistemas de startups. No entanto, esta ainda é uma hipótese que precisa de validação por meio da prática, uma oportunidade e tanto para futuros trabalhos no campo das políticas públicas de inovação.
Fonte: SC Inova / Por Marcus Rocha, Especialista em Ecossistemas e Habitats de Inovação.
Escreve mensalmente sobre o tema no SC Inova.
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