Fogos de artifício iluminam o céu, taças se encontram e abraços calorosos celebram a chegada de um novo ano. Desde tempos imemoriais, a virada do ano é um marco em diversas culturas, um momento de reflexão, de renovação e de esperança para o futuro. É como se o início de uma nova revolução da Terra em torno do Sol tivesse o poder de revolucionar nossas vidas também, fazendo dos próximos 365 dias um momento melhor.
Cientificamente, não há nada que garanta isso. Inclusive, a própria data da virada do ano não tem nenhum embasamento científico. É apenas uma convenção, adotada em Roma há mais de dois milênios e que se estabeleceu como padrão global. No entanto, a verdadeira duração do ano, essa, sim, foi estabelecida pela Ciência. Seu período foi medido com precisão ao longo de séculos, através da Astronomia!
Há milhares de anos, muito antes dos relógios atômicos e dos calendários digitais, nossos ancestrais já percebiam os ciclos astronômicos como uma forma de marcar o tempo. Os primeiros astrônomos, com seus observatórios rudimentares e sua incrível capacidade de observação, perceberam que o Sol, em seu movimento aparente no céu, poderia indicar não apenas os dias e as noites, mas também as estações do ano. Podemos ver isso em Stonehenge, na Inglaterra, e em outras estruturas megalíticas espalhadas pelo mundo. Gigantescas pedras posicionadas em um alinhamento perfeito para marcar as direções exatas do nascer e pôr do Sol durante os solstícios e os equinócios. Essas, provavelmente, foram as mais antigas formas de se medir a duração do ano e que, embora imprecisas, eram essenciais para a agricultura, para as festividades religiosas e para organização da vida das primeiras sociedades humanas.
Com o tempo, essas observações deram origem a tentativas mais organizadas de marcar o tempo. Foi desta forma que os romanos criaram o calendário que é precursor deste que utilizamos hoje, em grande parte do mundo. O calendário romano era, originalmente baseado no ciclo solar, composto de 10 meses de 30 ou 31 dias iniciando no equinócio de primavera no Hemisfério Norte, que atualmente inicia no 21 de março. Só que se somarmos os dias destes 10 meses, chegaremos a 304 dias. Os 61 dias que faltavam para completar o ano coincidiam com o período do inverno e eram completamente ignorados pelo calendário, por ser um período muito frio e improdutivo.
Se isso te pareceu confuso, relaxe porque piora. Por volta de 713 a.C., o Rei Numa Pompílio reduziu os meses de 30 dias para 29 dias e adicionou os meses de Januarius, com 29 dias, e Februarius, com 28, no final do calendário, transformando ele em um calendário luni-solar, com os inícios dos meses coincidindo com as Luas Novas. O problema é que ao final desses 12 meses, seriam contados apenas 355 dias. E para resolver essa diferença, causada pela assincronia entre os períodos solares e lunares, a cada dois anos um mês extra de 22 ou 23 dias, era adicionado ao calendário. Além da confusão que era gerenciar este calendário, o ano romano neste período tinha, em média, 366 dias e 6 horas, o que gerava nele uma defasagem em relação ao ano solar.
Quem não tinha esse problema eram os egípcios, que desenvolveram uma técnica apurada para medir a duração do ano com precisão. Para eles, a marcação do ano permitia antecipar o período de cheia do Rio Nilo, um evento vital para a agricultura e a sobrevivência daquela que era uma das mais antigas civilizações. Sua técnica era baseada no ciclo da estrela Sirius, a mais brilhante do céu noturno. O ano se iniciava no dia da primeira aparição de Sírius imediatamente antes do nascer do Sol. A evolução da astronomia no Egito e essa observação sistemática feita ao longo dos anos, permitiu aos egípcios calcular, cerca de dois séculos antes dos romanos, a duração do ano em 365 dias e 6 horas.
Na verdade, os romanos nem calcularam isso. A medição egípcia era tão precisa, que, por volta do ano 46 a.C., quando o imperador de Roma, Júlio César, decidiu reformar seu calendário, consultou o astrônomo Sosígenes de Alexandria e adotou o mesmo modelo utilizado no Egito, com 12 meses de 30 ou 31 dias, com a exceção de Fevereiro, que teria 29 e que a cada 4 anos teria 1 dia a mais. O calendário Juliano assumia um ano de 365 dias e 6 horas, conforme medido pelos egípcios. Era um avanço em tanto, mas ainda havia uma pequena imprecisão que fez uma grande diferença alguns séculos depois.
Ocorre que as estações do ano e muitas datas religiosas estão relacionadas com os equinócios e solstícios. A Páscoa, por exemplo, é celebrada no primeiro domingo após a Lua Cheia que ocorre depois do equinócio de março. E ao observar a ocorrência dos equinócios ao longo dos anos, os astrônomos foram percebendo que ele estava ocorrendo mais cedo a cada ano, e isso estava bagunçando as celebrações religiosas e causando o desacoplamento do calendário juliano do ano solar.
Em 1582, o Papa Gregório XIII, preocupado principalmente com o desajuste das datas religiosas, promoveu uma reforma no calendário juliano. O novo calendário foi definido por uma comissão de cientistas e suprimiu o dia extra no mês de fevereiro para os anos terminados em 00, a não ser que sejam múltiplos de 400. No fim, isso representa um ano com duração média de 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos. O calendário gregoriano, utilizado até hoje em quase todos os países do mundo, corrigiu o erro acumulado ao longo dos séculos, mas isso não foi fácil. O mês de outubro do ano de 1582 teve 10 dias suprimidos para corrigir essa diferença. Naquele ano, as pessoas foram dormir no dia 4 de outubro e acordaram no dia 15. Os dias de 5 a 14 de outubro de 1582 simplesmente nunca existiram.
Com o avanço da astronomia e o desenvolvimento de instrumentos como o telescópio, os cientistas conseguiram medir a duração do ano com uma precisão ainda maior. Hoje sabemos que ele é apenas 26 segundos mais curto do que o período medido há mais de 400 anos para adoção do calendário gregoriano. E, ao contrário do que muita gente imagina, um ano não é o período em que a Terra leva para dar uma volta em torno do Sol.
O ano que adotamos em nosso calendário é o chamado “ano tropical”, baseado no ciclo das estações, e que é medido a partir da passagem dos equinócios, da mesma forma como faziam nossos ancestrais milênios atrás. O ano tropical é cerca de 20 minutos e 24 segundos mais curto que o “ano sideral”, baseado na órbita completa da Terra ao redor do Sol. Essa pequena diferença existe devido a um lento movimento de bamboleio do eixo de rotação da Terra que faz com que os equinócios e solstícios ocorram em momentos ligeiramente adiantados a cada órbita.
A jornada da humanidade na medição do tempo é uma história fascinante que reflete o nosso desejo de compreender o cosmos e o nosso lugar nele. Da observação do Sol e das estrelas pelos nossos ancestrais até a precisão dos relógios atômicos, a busca por medir o tempo nos levou não apenas a definir o que é um ano, mas também a desvendar alguns dos segredos do universo. Assim, enquanto celebramos a chegada de mais um ano, podemos agradecer à astronomia por nos dar as ferramentas para marcar o tempo, apreciar os ciclos da vida e nos maravilhar com a dança cósmica que nos conecta às estrelas.
Fonte: Olhar Digital / Por Marcelo Zurita, editado por Lucas Soares
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