Já pararam para pensar como as Voyagers, lançadas há quase meio século, ainda conseguem manter contato com a Terra mesmo navegando pelo espaço interestelar? Se nem meu wifi, instalado na sala, pega no quarto, como essas naves conseguem se comunicar a mais de 20 bilhões de quilômetros de distância? A comunicação com as nossas espaçonaves em missões no espaço profundo é um desafio tecnológico colossal, quase tão complicado quanto restabelecer a energia em São Paulo depois de um vendaval. E a chave para esse contato vital é a Deep Space Network, a “internet do espaço exterior”.
A Deep Space Network, ou simplesmente DSN, é uma rede de antenas gigantescas, localizadas estrategicamente em três pontos distintos do globo: Goldstone, na Califórnia (EUA), Canberra, na Austrália, e Madri, na Espanha. Essa distribuição geográfica garante que, à medida que a Terra gira, pelo menos uma antena esteja sempre “apontando” para as nossas espaçonaves, mantendo uma conexão constante, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
É dessa forma que a DSN nos conecta com os exploradores robóticos como o Curiosity e o Perseverance, em Marte, com a New Horizons, nos confins do Sistema Solar, ou com os humanos nas missões à Lua do passado e do futuro. Sem uma comunicação confiável e eficiente, nossas maiores conquistas espaciais seriam impossíveis.
A comunicação com as espaçonaves é feita em frequências específicas de rádio, como as bandas S, X e Ka, que conseguem atravessar as vastas distâncias do espaço. A banda S, por exemplo, opera em frequências de 2 a 4 GHz e foi amplamente usada em missões como as das sondas Voyager. Já a banda X, mais comum hoje, trabalha entre 8 e 12 GHz e é mais eficiente para transmitir dados a longas distâncias, como nos casos das sondas que exploram Marte. Recentemente, a banda Ka (26 a 40 GHz) vem sendo utilizada em algumas missões, pois permite uma maior taxa de transmissão de dados, essencial para enviar imagens e informações complexas com mais rapidez.
E é por isso que não temos uma live com imagens ao vivo da Perseverance em Marte. O canal de comunicação é usado preferencialmente para as atividades essenciais. Os controladores enviam, daqui da Terra, comandos para as sondas realizarem manobras, coletarem dados ou tirarem fotos. As espaçonaves, por sua vez, enviam dados de volta para a Terra, como telemetria, imagens e informações científicas.
A DSN foi criada pela NASA na década de 1960, e foi fundamental para a conquista da Lua. A rede evoluiu junto com a exploração espacial. No início, suas antenas eram menores e a capacidade de comunicação era limitada, mas à medida que as missões se tornaram mais complexas e distantes, a DSN precisou se adaptar. Hoje, suas antenas gigantescas e seus sistemas de processamento de dados de última geração permitem a comunicação com espaçonaves a bilhões de quilômetros de distância, captando sinais extremamente fracos. Como se pudesse escutar o tique-taque de um relógio de pulso deixado na Lua.
Essa sensibilidade extraordinária é crucial para receber dados das missões de exploração em regiões distantes do Sistema Solar, como a sonda Voyager 1, que atualmente está a 2 bilhões e meio de quilômetros da Terra, “sussurrando” suas informações científicas a partir do espaço interestelar.
Além das Voyagers, as Pioneers, já desativadas, só foram possíveis graças à Deep Space Network, que nos permitiu receber os primeiros registros dos confins do Sistema Solar. As missões em Marte, como a Curiosity e a Perseverance, utilizam a DSN para enviar imagens espetaculares da superfície marciana e dados sobre a busca por vida no Planeta Vermelho. E a recente missão OSIRIS-REx, que coletou amostras do asteroide Bennu, utilizou a DSN para enviar os dados que podem revelar segredos sobre a origem da vida na Terra.
Mas a DSN também enfrenta desafios. O volume de dados gerado pelas novas missões espaciais está crescendo exponencialmente, e a capacidade da rede é limitada. Manter a infraestrutura atualizada e expandir a rede para suportar as futuras missões, como uma viagem tripulada a Marte ou a exploração das luas de Júpiter e Saturno, exigirá investimentos significativos e o desenvolvimento de novas tecnologias.
Felizmente, os cientistas já estão trabalhando em soluções inovadoras, como o uso de laser para comunicação espacial, que promete aumentar significativamente a velocidade e a capacidade de transmissão de dados. Novos sistemas de antenas, mais eficientes e compactos, estão sendo desenvolvidos, e a inteligência artificial está sendo utilizada para otimizar os sinais e reduzir a interferência.
A DSN é muito mais do que uma infraestrutura tecnológica. É o elo que nos conecta ao desconhecido, nos permitindo expandir os horizontes da humanidade, nos conectando com a imensidão do Cosmos. É a partir dessa “internet do espaço exterior” que nossas sondas navegam, nos apresentando outros mundos, planetas exuberantes, asteroides que nos ajudam a aprender sobre a formação do nosso Sistema Solar e luas que podem abrigar a vida. Graças à Deep Space Network que conquistamos de vez o Espaço, e à medida que as missões se tornam mais ambiciosas, ela terá um papel ainda mais crucial, garantindo que a humanidade continue a desvendar os mistérios do Universo, alçando voos cada vez mais altos.
Fonte: Olhar Digital / Por Marcelo Zurita, editado por Lucas Soares
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