Em vez de depender apenas de talentos individuais ou da sorte, as organizações passam a contar com mecanismos formais para transformar ideias em valor — seja valor econômico, social, ambiental ou reputacional
Todas as organizações, principalmente as empresas, estão imersas há algum tempo em mercados cada vez mais globalizados, competitivos e acelerados. Isto vale para todas as empresas, independentemente do porte ou do mercado no qual atua. A busca pela melhoria da competitividade deve ser constante e é por isso que a inovação deixou de ser uma atividade esporádica e intuitiva para se tornar uma disciplina de gestão. Destaca-se que não é qualquer tipo de novidade que se caracteriza como inovação; para ser efetivamente inovadora, uma novidade desenvolvida ou implantada em uma organização precisa ter como consequência um ganho palpável de competitividade perante os seus concorrentes.
Nesse contexto, a série de normas ISO 56000, publicada pela Organização Internacional para Padronização (ISO) e recepcionada no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), surge como uma referência global para orientar empresas e instituições na implementação de Sistemas de Gestão da Inovação (SGI).
As normas ISO 56000 consideram o seguinte:
Fundamentos e princípios: A ISO 56000 estabelece o vocabulário, os princípios e as diretrizes básicas para a gestão da inovação.
Requisitos para certificação: A ISO 56001 especifica os requisitos para que uma organização implemente, mantenha e melhore seu sistema de gestão da inovação, sendo a norma certificável.
Diretrizes de implementação: A ISO 56002 fornece diretrizes práticas para a implementação do sistema de gestão da inovação, detalhando como estruturar, executar e melhorar continuamente o processo.
Ferramentas e métodos: As outras normas da série oferecem ferramentas específicas para diversas áreas, como parcerias (ISO 56003), avaliação (ISO 56004), propriedade intelectual (ISO 56005) e mensuração da inovação (ISO 56008).
A série ISO 56000 estabelece que a inovação não é resultado do acaso, mas de um sistema estruturado de gestão, baseado em princípios como liderança, cultura organizacional voltada ao aprendizado, colaboração, visão de futuro e orientação a valor. Especialmente na ISO 56002, destacam-se as diretrizes para planejar a inovação de forma alinhada à estratégia, envolver pessoas em todos os níveis, identificar oportunidades, gerir portfólios de ideias e projetos, avaliar riscos, monitorar resultados e promover a melhoria contínua.
O objetivo dessas normas é criar um ambiente em que a inovação seja sistematicamente estimulada e sustentada. Em vez de depender apenas de talentos individuais ou da sorte, as organizações passam a contar com mecanismos formais para transformar ideias em valor — seja valor econômico, social, ambiental ou reputacional. A série ISO 56000 não define o que deve ser inovado, mas como inovar de forma consistente e previsível.
A adoção dessas normas pode trazer alguns benefícios concretos: aumentar a capacidade de adaptação às mudanças, fortalecer a competitividade, melhorar o engajamento das equipes e reduzir desperdícios em projetos de inovação. Além disso, pode favorecer a integração entre diferentes áreas da empresa, criando uma linguagem comum e um método para a gestão das incertezas (riscos), algo que é inerente a qualquer iniciativa na área da inovação.
A adequação às normas ISO 56000 exige, antes de tudo, um comprometimento da alta direção. Sem liderança engajada, não há sistema que se sustente. O segundo passo é realizar um diagnóstico da maturidade em inovação, avaliando aspectos como cultura organizacional, processos de gestão, recursos disponíveis, redes de relacionamento e práticas já existentes.
Com base nesse diagnóstico, é possível desenhar um plano de implantação que contemple principalmente as oito dimensões trazidas pela ISO 56002: contexto da organização, liderança, planejamento, suporte, operação, avaliação de desempenho, melhoria e resultados esperados. Esse plano deve definir metas, responsáveis, indicadores e rotinas de monitoramento, conforme as boas práticas de gestão.
A partir disso, a empresa precisa estruturar processos claros para o ciclo da inovação, desde a identificação de oportunidades, até a entrega de resultados. Isso envolve estabelecer mecanismos de ideação, seleção e priorização de projetos, desenvolvimento de soluções, validação com clientes e escalonamento. Aqui é importante destacar que é fundamental separar os processos de inovação do dia-a-dia da empresa, para que “a cultura não coma a inovação no café da manhã” – parafraseando a famosa frase de Peter Drucker.
Para que o planejamento se converta em resultados, o acompanhamento dos resultados é um componente essencial trazido pela série ISO 56000. Novamente, conforme as boas práticas de gestão, é recomendado o uso de indicadores de desempenho e aprendizado, que permitam avaliar tanto os resultados financeiros quanto os intangíveis, como o nível de engajamento dos colaboradores e o grau de interação com parceiros externos.
Uma questão frequente que aparece quando são abordadas boas práticas de gestão, especialmente normas ISO, é como empresas de porte menor, com muito menos recursos, podem adotá-las. Os empreendedores dessas empresas normalmente acreditam que a implantação e operação dessas práticas é algo inacessível devido à complexidade e ao custo de implementação. No entanto, a série ISO 56000 foi concebida para ser flexível e escalável, podendo ser aplicada a organizações de qualquer porte ou setor.
Para pequenas empresas, o principal desafio é equilibrar o desejo de inovar com as restrições de recursos financeiros e humanos. Nesse cenário, a adequação às normas ISO da inovação deve seguir uma lógica de simplificação inteligente, focando nos pontos mais fundamentais. O primeiro passo é identificar pontos críticos de valor — produtos, processos ou serviços nos quais a inovação pode gerar maior impacto. Em vez de buscar um sistema completo de imediato, a empresa pode adotar práticas progressivas: criar um comitê de inovação, formalizar um processo de coleta e priorização de ideias, definir critérios de decisão e acompanhar resultados com indicadores simples.
Outro elemento fundamental é a cultura organizacional. Pequenas empresas possuem a vantagem de estruturas menos hierarquizadas, o que facilita a disseminação da cultura da inovação. É importante, contudo, estabelecer rotinas e papéis claros: quem propõe, quem avalia e quem executa as iniciativas, além de monitorar a execução das ações planejadas. Com isso, é sim possível desenvolver boas práticas de inovação em empresas menores.
A série ISO 56000 e o conceito de Inovação Aberta, desenvolvido por Henry Chesbrough, compartilham a mesma visão de que a inovação é um processo colaborativo e sistêmico. Enquanto a norma fornece a estrutura para gerir o processo internamente, as práticas de Inovação Aberta ampliam as fronteiras da organização, estimulando o uso de ideias externas e parcerias para acelerar resultados.
Ao relacionar esse conceito às normas ISO 56000, percebe-se que muitas das diretrizes trazidas pelas normas, tais como liderança colaborativa, gestão do conhecimento, conexão com partes interessadas e visão sistêmica, são compatíveis com a lógica da inovação aberta. Entre as boas práticas associadas a esse modelo, destacam-se os Living Labs, ambientes em que empresas, universidades, governo e sociedade co-criam soluções em contexto real. Outro exemplo são as plataformas de inovação colaborativa, que conectam startups e grandes empresas para resolver desafios conjuntos.
Em síntese, as normas ISO 56000 definem como estruturar a inovação; Já as boas práticas da Inovação Aberta mostram onde buscar as oportunidades e como transformá-las em resultados concretos. Juntas, essas abordagens fortalecem a capacidade de adaptação e aprendizagem organizacional, transformando a inovação em um processo mais ágil, conectado e sustentável.
Mesmo com a adoção de sistemas formais como o proposto pela ISO 56002, muitas empresas caem na armadilha do chamado ‘Teatro da Inovação’, conceito popularizado por Steve Blank. O termo se refere ao fato de que muitas empresas têm desenvolvido atividades de inovação, às vezes até acompanhadas de ambientes e discursos modernos, mas sem resultados concretos.
O risco é maior em organizações com altos níveis de padronização e controle, como aquelas fortemente baseadas em sistemas ISO. A gestão por processos bem sucedida cria, como consequência natural, um senso de segurança em relação às práticas que estão funcionando e gerando bons resultados. Isto tende a gerar fortes focos de resistência a mudanças, que pode sufocar a experimentação e a autonomia das equipes, questões fundamentais para a inovação.
Para evitar essa armadilha, é necessário equilibrar padronização e flexibilidade, além de buscar proteger a inovação desses “anticorpos” contra a inovação que acabam existindo dentro do ambiente organizacional. Inicialmente, as normas ISO 56000 devem ser compreendidas como um guia para promover a inovação, e não como um manual de conformidade. O foco precisa permanecer na criação de valor, e não no cumprimento de procedimentos.
Seguir boas práticas de Inovação Aberta também ajudam a manter esse equilíbrio e a proteger as atividades inovadoras. Uma delas é fazer com que a empresa tenha presença física em habitats de inovação. Há uma série de benefícios nisto, tais como a facilidade de se conectar com parceiros externos que estão presentes nesses espaços, com destaque para Instituições de Ciência e Tecnologia, Empreendedores, Pesquisadores, Empreendimentos Inovadores nascentes, entre outros. Além disso, ao tirar as atividades de desenvolvimento de inovações das fronteiras originais da empresa, levando-as para habitats de inovação, cria-se uma distância mais segura dos “anticorpos” que podem ir contra essas iniciativas. Desta forma, quando inovações são validadas, podem ser levadas para dentro das fronteiras da organização de forma mais segura, com a devida atenção à gestão das mudanças que serão necessárias para a sua adequada incorporação.
A consolidação de uma cultura de inovação depende não apenas dos esforços internos das empresas, mas também da maturidade dos ecossistemas nos quais estão inseridas. A falta de foco econômico nas atividades dos ecossistemas locais de inovação ainda é fonte importante de alienação das empresas estabelecidas, que são aqueles agentes que mais precisam de inovação hoje, dado o atual contexto no qual todos os mercados estão cada vez mais globalizados, competitivos e acelerados.
Para ter foco econômico, os ecossistemas locais de inovação precisam levar em conta as vocações econômicas do território, juntamente com as atividades de geração de conhecimento e de pesquisa tecnológica (matérias-primas fundamentais da inovação). Com isso, é possível ter um movimento de desenvolvimento de Clusters de Negócios e Inovação, com maior potencial de atrair e reter as empresas estabelecidas da região, para desenvolver inovações que tenham potencial de fortalecer as cadeias produtivas locais e, assim, favorecer a sobrevivência e a prosperidade das empresas, sejam as já estabelecidas ou as que surgirem. Nota-se que, nesta lógica, os empreendimentos inovadores – sejam startups ou não – se tornam muito mais um meio para a promoção da competitividade dos negócios e do desenvolvimento econômico e social, do que um fim em si mesmos.
Mesmo havendo um caminho para trazer as empresas estabelecidas para mais perto dos ecossistemas e das boas práticas de inovação, no Brasil ainda persistem muitos desafios, especialmente aqueles relacionados à baixa maturidade das empresas em várias áreas da administração – o que também afeta a gestão da inovação. Muitas organizações ainda encaram a inovação como atividade pontual ou subordinada ao marketing, além de confundir inovação como mera novidade – esquecendo-se do componente fundamental da melhoria da competitividade. Faltam mecanismos de governança, indicadores de desempenho e cultura voltada à experimentação, que os demais atores do ecossistema podem e devem ajudar a serem desenvolvidos nas empresas estabelecidas.
A adoção da série ISO 56000 também pode ajudar a corrigir esse descompasso, ao introduzir uma visão de longo prazo e promover uma abordagem sistêmica da inovação. Para que isso ocorra, os ecossistemas de inovação devem atuar como plataformas de disseminação das boas práticas, oferecendo capacitações, modelos de referência e oportunidades de cooperação entre empresas e instituições de ciência e tecnologia. No entanto, diante do cenário de baixa maturidade, é importante destacar que não se trata de uma tarefa fácil. É algo que certamente exige persistência, consistência e, muitas vezes, paciência com as lideranças empresariais do território.
A série ISO 56000 também representa um avanço significativo na consolidação da inovação como disciplina de gestão. Sua aplicação, combinada às práticas de Inovação Aberta, oferece às empresas uma estrutura sólida e ao mesmo tempo flexível para gerar valor em um ambiente de rápidas transformações. Ou seja, mesmo não existindo uma “receita de bolo” para o sucesso das estratégias de inovação para as empresas, atualmente existe um referencial consolidado, o que reduz significativamente boa parte dos riscos dos processos relacionados à gestão das atividades inovadoras.
Entretanto, a adoção da norma requer atenção aos riscos do ‘Teatro da Inovação’, que pode transformar a gestão da inovação em um exercício burocrático que não trará os resultados desejados, frustrando os gestores das empresas e podendo até mesmo criar “traumas” que podem gerar preconceitos futuros contra a inovação.
O desafio está em manter a essência criativa e experimental viva dentro de processos organizados, que devem ser protegidos de qualquer foco cultural de resistência a mudanças. Neste sentido, também cabe aos ecossistemas de inovação o papel de promover a compreensão da importância da inovação, além de difundir boas práticas, estimulando empresas, instituições e governos a trabalharem de forma colaborativa, valorizando os aprendizados e, acima de tudo, com orientação aos resultados.
Fonte: Por Marcus Rocha, consultor para Habitats de Inovação e autor do livro “Territórios da Inovação” (editora SC Inova).
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