O mundo atual passa por um período marcado por grande instabilidade e que conta com inúmeros conflitos em curso, tendo impacto em nossas vidas, seja direta ou indiretamente
Diferente dos focos na Europa Oriental e do Oriente Médio, no continente americano prevalecem a instabilidade política e a violência dos cartéis e de gangues, que somadas às intempéries climáticas, contribuem para a crise migratória, cujos destinos principais são os Estados Unidos e o Brasil respectivamente.
O México está enfrentando uma grave crise marcada por sequestros, desaparecimentos e outras formas de violência criminosa, que têm resultado em mais de trinta mil mortes anuais desde 2018. Grande parte dessa violência é perpetrada por gangues e pelos cartéis de drogas, que desde os anos 80 lutam pelo domínio territorial e de acesso à mercados.
Em 2017 a extradição do líder do cartel de Sinaloa, Joaquín “El Chapo” Guzmán para os Estados Unidos, gerou um vácuo no poder, desencadeando uma intensa briga entre si pelo domínio. Cabe salientar que os cartéis lutam com armamentos pesados e drones, muitas vezes com poderio maior que o das forças governamentais. Diversas táticas governamentais foram tentadas para combater o crime, mas todas falharam para conter a violência. A situação se deteriorou tanto que as eleições de 2024 se tornaram uma das mais violentas em décadas, com mais de 320 casos de violência e homicídio de 36 candidatos.
Para os civis o impacto é significativo, gerando uma grande onda de migração para os Estados Unidos. Drogas dos cartéis também fluem pela fronteira, alimentando uma epidemia de overdose de drogas nos Estados Unidos, abastecidas pelos cartéis de Sinaloa e Jalisco. Ademais esses cartéis estão ramificados mundo afora, inclusive no Brasil, via siglas conhecidas do mundo do crime. O problema embora tenha raízes sociais, também tem o lado de poder e de financeiro, haja vista que ambos alimentam o status que o crime disponibiliza no imaginário dos adolescentes.
O Haiti há muito tempo suporta um grande grau de instabilidade social e política, que culminou em uma crise de segurança aguda caracterizada por fracassar na governança.
A história haitiana é marcada por múltiplos golpes, regimes ditatoriais e intervenção estrangeira. Essa sucessível instabilidade política facilitou a corrupção e impunidade. A violência aumentou ao longo de 2023, quando as gangues consolidaram o controle de mais de 80% da capital do Haiti, Porto Príncipe. Acredita-se que haja mais de 200 gangues espalhadas pelo país, beneficiadas pelo pouco efetivo policial, e falta de poder político, sendo que a maioria dos cargos eleitos permanecem vagas. Essa onda de violência chegou ao ponto do presidente Jovenel Moise ser assassinato em sua casa em 2021, e que o Primeiro Ministro Ariel Henry pode estar envolvido no assassinato.
Além disso a vulnerabilidade à desastres naturais somam-se aos desafios dessa ilha caribenha. Desde o terremoto em 2010 que deixou 250 mil mortes e 300.000 feridos, o furacão de categoria 4 em 2016 e até o terremoto de 2021 junto a uma tempestade tropical, contribuem para agravar a péssima (ou inexistente) infraestrutura do país.
Todas essas variáveis denotam o longo caminho que o país enfrenta para ter o básico. Esse agravo de instabilidade política, violência criminosa e crescente crise humanitária, contribuem para o aumento das migrações de haitianos em busca de novas oportunidades em outros países. Acredita-se que de janeiro a setembro de 2022, 21 mil pessoas foram repatriadas. No Brasil, abriga cerca de 161.000 haitianos, e as complicações atuais na ilha, podem fazer a vinda de ainda mais.
Desde 2019, mais de dois milhões de pessoas deixaram o Triângulo Norte da América Central, que inclui El Salvador, Guatemala e Honduras rumo aos Estados Unidos principalmente. Muitos desses migrantes estão fugindo da violência e da insegurança crônica, da pobreza extrema, de desastres ambientais e de outras dificuldades severas.
A região historicamente foi marcada por golpes, insurgências e guerras civis. Nos Estados Unidos a aprovação de lei local fez com que cerca de 30 mil pessoas foram deportadas para a América Central. Dentre eles muitos membros de gangues que lá viviam, “Barrio 18” e “MS-13”. Dotado de despreparo policial e uma justiça fraca, os países começaram a sofrer ondas de violência dessas gangues, que ligadas aos cartéis mexicanos, fizeram com que a região se tornasse uma com as taxas mais altas de homicídios do mundo.
Desde 2022, os governos de El Salvador (Nayib Bukele) e Honduras ( Xiomara Castro) responderam ao aumento da criminalidade implementando estados de exceção e de prisão em massa, sendo que mais de 70 mil pessoas foram presas. Essas políticas receberam apoio popular e foram elogiadas pela redução das taxas de homicídio em ambos os países. No entanto, também resultaram na suspensão de liberdades civis, em abusos dos direitos humanos e em ameaças às normas democráticas. Enquanto isso, na Guatemala, Bernardo Arévalo assumiu a presidência após uma crise política prolongada, na qual figuras do establishment tentaram minar a transição pacífica de poder no país.
Essa política de repressão pesada embora expresse em números uma grande aprovação popular, gera desconfianças à médio e longo prazo. Caso houver alguma alteração de governo, podemos imaginar qual seria a reação desses grupos se colocados novamente em circulação.
Anteriormente um dos países mais ricos da América do Sul, a Venezuela sofreu um declínio acentuado com a queda dos preços do petróleo no início dos anos 2010. Como uma nação altamente dependente do petróleo, esse colapso precipitou uma espiral descendente, mergulhando o país em uma grave crise política e econômica que persiste até hoje.
Após a morte do líder Hugo Chávez em 2013, seu sucessor escolhido, Nicolás Maduro, conduziu o país a uma longa crise de hiperinflação. O aumento vertiginoso dos preços causou uma grave escassez de medicamentos e alimentos, gerando protestos e tumultos por todo o território.
Outrossim o país é governado por um líder mão-de-ferro, que aplica censura à mídia e usa a repressão para suprir a oposição através de gangues armadas, os chamados “colectivos”. A situação agrava ainda mais em 2024 com as eleições presidenciais, cuja oposição alega fraude, com bloqueios de observadores internacionais e a dificuldade ao votar de venezuelanos residentes em outros países. Com 51,2% dos votos, Nicolás Maduro se reelege, e esses números mostram as dificuldades que o ditador encontra internamente mesmo que manipuladas ou não. A situação pode ainda agravar pelo fato de que essa margem oposicionista pode contribuir para uma paranoia de que ele pode perder o poder, e consequentemente aumentar a perseguição dos opositores e criar inimigos externos com a desculpa de unir e continuar com o seu regime.
O mundo mostra que cada vez mais os países estão conectados das mais várias formas, e a existência de um conflito armado ou mesmo instabilidade política em um lugar, acaba impactando em outro. Nesse caso da América demonstra a característica de países pobres e instáveis politicamente, e que veem o narcotráfico e gangues ganhando terreno e preenchendo essa lacuna deixada pelo Estado.
Esses focos de conflito no continente americano demandam do Brasil um papel mais ativo na região. Dotado de uma vasta extensão territorial, estamos ligados a esses eventos sejam pela geografia ou mesmo laços culturais, entretanto não agimos como líderes regionais. Um exemplo disso é a atual crise venezuelana, cujas políticas (interna e externa) brasileira mostram claramente a falta de preparo em exercer um papel mais coercitivo, habilidade esta imprescindível em um papel de liderança.
Somada à todas essas situações, as eleições norte-americanas terão grande impacto, independente do resultado. Há muito tempo que o papel de player regional não vê mais um engajamento da grande potência na tentativa de resoluções desses problemas, exceto pelo endurecimento nas leis anti-imigração. Essa negligência no “próprio quintal” fez com que cada vez mais o narcotráfico foi preenchendo e dominando as esferas políticas dos países da região, assim como viu uma crescente influência chinesa, seja econômica, ideológica ou politicamente.
Já no continente africano a situação é mais complicada em relação ao continente americano. Dotada de uma região com cerca de 50 países, a África atualmente conta com conflitos que se espalham rapidamente aos países vizinhos, cujas fronteiras foram feitas arbitrariamente entre as potências europeias, não respeitando os povos que lá viviam. Dentre alguns casos, destacam-se o terrorismo, guerras civis, instabilidade política.
Escrito por Leonardo Dariva
Relações Internacionais
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