O continente africano enfrenta desafios como fome, pobreza, terrorismo, deslocamentos internos e migrações, resultando em milhões de pessoas em busca de ajuda humanitária
Além disso, atualmente, diversos conflitos surgem em várias regiões, envolvendo múltiplos atores e nações, de maneira direta ou indireta. Infelizmente, muitas dessas guerras permanecem desconhecidas pelo público global, contribuindo para o esquecimento desta parte do mundo.
Desde a deposição do líder autoritário da Líbia em 2011, o país enfrenta divisões políticas e crises de segurança que ameaçam sua estabilidade. Depois que um cessar-fogo de 2020 encerrou a guerra civil de seis anos do país entre facções políticas rivais, os diversos adiamentos nas eleições podem fazer com que a violência se reinicie.
A queda do regime de Muanmar Gaddafi em 2011, depois de 42 anos no poder, fez com que as etnias e milícias que antes unidas para retirá-lo do poder, agora se voltem contra si. O primeiro grupo envolvido é da Câmara dos Representantes, chefiada pela general Khalifa Hafnar, com uma política baseada no nacionalismo militar e controlando a parte leste do país. Do outro lado está o Governo do Acordo Nacional, do Primeiro -ministro Fayez al Sarraj, situado na capital e região de Tripoli, com ideias do islamismo político. Cabe destacar que ambos os lados são fomentados por interesses estrangeiros no petróleo e gás local, sendo que a primeira formação possui apoio da Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, e a segunda pelo Catar, Turquia, Estados Unidos e Nações Unidas.
Essa guerra em que a Líbia se encontra é marcada por outros atores que buscam também poder e riqueza, desde milícias, extremistas islâmicos entre outros. Em 2020 foi feito um cessar fogo em todas as áreas e no ano seguinte a formação de um governo interino, porém as eleições atrasaram por diversas ocasiões, e as tensões aumentaram bastante, ameaçando o reinício do conflito. A situação é agravada pelo país possuir uma das maiores reservas de petróleo do continente africano e essa lacuna no governo central deixa um terreno fértil para o tráfico de pessoas no país, extremismo religioso, além da geografia próxima à Europa, causando um grande fluxo de imigrantes rumo ao Velho Continente, particularmente à Itália.
Duas facções do Sudão, antes aliadas, permanecem presas em uma luta mortal pelo poder. Desde que o conflito começou em 2023, cerca de 15.000 pessoas foram mortas e mais de 8,2 milhões foram deslocadas, dando origem a pior crise de deslocamento do mundo. Desse montante, 2 milhões de sudaneses deslocados fugiram para áreas instáveis no Chade, Etiópia e Sudão do Sul, levando as preocupações de que os refugiados sudaneses possam em breve tentar entrar na Europa.
Em 2019, após 30 anos de um governo marcado pela corrupção, assassinatos em massa e até indiciamento pelo Tribunal Penal Internacional, Omar Al Bashir, líder sudanês foi deposto. Dois anos depois, o povo local faz diversos protestos para que um governo civil fosse formado. Porém, a ideia é exaurida após a luta de poder que se segue dos até então aliados pela queda de Al Bashir. O primeiro é Abdel Faltah Al Burham, que detém o controle das Forças Armadas Sudanesas (FAS), e apoiadas pelo Egito, Irã e Ucrânia. Do outro lado, o líder das Forças de Apoio Rápido (RSF), Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, que da criação como um grupo paramilitar a favor do ex-chefe Al Bashir para reprimir Darfur em 2002-2008, concentrou poder desde então e não ousa perdê-lo. Chama a atenção a atuação do Grupo Wagner em favor do grupo paramilitar RSF, além de apoios de países como Chade, Mali, Emirados Árabes, Eritréia e do general líbio Haftar.
Assim como no caso anterior, os recursos minerais despertam muitos interesses internos e de outros países, dificultando o acordo para o fim do conflito e aumentando o sofrimento do povo sudanês. A situação está distante de acabar e o fato da guerra ser ignorada pelo mundo contribui para que a situação perdure e se agrave, sendo que mais de 25 milhões precisam de assistência humanitária, desencadeando a “maior crise de fome do mundo”.
A divisão étnica da Etiópia consiste em um mosaico que vem demonstrando ser um barril de pólvora na região. A guerra entre o governo central e a região mais setentrional de Tigray foi um dos exemplos mais recentes desse imbróglio. Além disso, a construção de uma barragem já começa a gerar problemas com seus vizinhos, o que pode provocar em um conflito regional.
A Etiópia foi marcada por uma guerra que durou dois anos, de 2020 à 2022. Após uma ditadura de 17 anos, a Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF) se torna o maior partido político do país, tendo seu chefe Meles Zenawi, o governante do país de 1991 à 2012. Seu governo foi marcado pelo rápido desenvolvimento, mas também pelo crescimento de sentimento de marginalização de outros grupos étnicos, como os oromo e os ahmara. Em 2018 assume o Primeiro -Ministro Abiy Ahmed, da etnia oromo, que foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2019. As animosidades contra o povo da etnia tigré, antes dominantes no poder etíope, começara a aumentar. A situação se deteriorou até 4 de novembro de2020, quando um suposto ataque tigríni à base militar do governo desencadeou o conflito. Os embates se estenderam até 2022 quando foi feito um cessar-fogo mediado em Pretória, África do Sul. Dentre os resultados do conflito 45 mil desalojados tigrínios no Sudão, violações de direitos humanos, saques, sequestros, cerca de 60 mil mortes e a “reconquista” da capital trigrínia Mekelle pelo governo central.
Porém, a situação na região está mais tensa ultimamente. Em 2011 o país começou a construir a Grande Barragem da Renascença Etíope, (GERD), considerado um dos maiores projetos de infraestrutura do continente africano. O objetivo é se tornar um dos maiores exportadores de eletricidade do continente, assim como reviver a economia etíope. Entretanto, o Egito, vê como preocupação existencial, temendo que o fluxo de água seja interrompido. Cabe destacar que o Rio Nilo é formado por dois afluentes, o Nilo Azul (nasce na Etiópia) e o Nilo Branco (Sudão), que se juntam e formam o famoso e importante Rio Nilo, que flui para o Norte em direção ao Egito, até o Mar Mediterrâneo. A situação se intensificou com um acordo de segurança firmado entre Egito e Somália, uma resposta ao evento de janeiro de 2024 quando a Etiópia prometeu o reconhecimento de independência da região somali de Somalilândia, em troca do acesso ao mar para Adis Abeba. A situação pode impactar em um novo conflito regional, cujos papéis do Brasil e China nas mediações deverão ser fundamentais, já que ambos são países membros do BRICS.
O Al-Shabaab é um grupo terrorista e fundamentalista islâmico afiliado à rede Al Qaeda. A organização explora a capacidade limitada do governo somali para lançar ataques indiscriminados, cujo objetivo é formar a “Grande Somália”, com os somalis étnicos em toda a África Oriental, e sob as regras da lei islâmica “sharia”.
Com o fim do regime do general Siad Barre, que dominou o país de 1978 à 1991, os senhores de guerra e anciãos de clãs começaram a luta pelo poder, se aproveitando de um estado falido e destroçado. Em 2004 é instaurado um Governo de Transição, formado por tropas etíopes e quenianas, e que lutavam contra a União dos Tribunais Islâmicos (UTI). Esse ato deu origem ao grupo fundamentalista, Al Shabaab, cujo significado em árabe “a juventude”. Essa organização domina o sul do país, inclusive parte da capital Mogadíscio e faz o uso de ataques terroristas pelo país, inclusive em nações vizinhas como Quênia, Etiópia e Uganda. Marcada pela pobreza, falta de infraestrutura e considerado um dos países mais corruptos do mundo, a Somália luta diariamente contra diversas intempéries para estruturar de novo um país, atualmente todo fragmentado e destruído.
Não bastasse os atentados, como no caso da recente (2 de agosto de 2024) explosão de homem bomba em uma praia somali matando 32 civis, a Somalilândia assina um memorando com a Etiópia. Em 1991 a região declara independência da Somália, entretanto sem reconhecimento internacional. Entretanto, a Etiópia assina um memorando de entendimento com a região, trocando o reconhecimento da independência em troca de um acesso a portos, já que os etíopes não possuem. Essa questão vem colocar um adicional na já conturbada parte do Chifre Africano, e ameaça a estabilidade tanto da Somália como da região.
A crescente onda de violência de organizações extremistas na região do Sahel ameaça exacerbar a crise humanitária e espalhar a instabilidade em toda a África. A deterioração do apoio internacional ao combate ao terrorismo, juntamente com o enfraquecimento da liderança nos esforços regionais, gerou um vácuo que permite a expansão do extremismo violento.
O Cinturão do Sahel é uma área marcada pela transição entre o Deserto do Saara e a Savana Africana. Caracterizada por diversos conflitos, pobreza, crime organizado e extremismo, vive uma crise política, onde Estados muito fracos que veem em suas fronteiras porosas a disseminação.
Em março de 2017 vários grupos da órbita da Al Qaeda, incluindo o AQMI se uniram para formar uma maior organização jihadista no Sahel, a “Nusrat al Islam”, ou “Frente de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos”. Eles se juntaram para impedir remanescentes do Estado Islâmico na Líbia se infiltre no território. Promovendo diversas atividades, como atentados, sequestros e outras formas de violência, esses grupos interrompem o sistema de educação, saúde e economia local, agravando ainda mais a situação de quem lá vive. Ademais, esses grupos detêm controle de regiões estratégicas, cujas zonas são proibidas para governos regionais e forças de segurança.
Em 2014 a França iniciou a Operação Barkhane, uma tentativa de acabar com o terrorismo na região do Sahel. Entretanto o fracasso fez com que houvera um crescente sentimento antifrancês, levando à expulsão das tropas francesas, e mais recentemente de norte-americanas. O agravamento da instabilidade levou o aumento de governos militares no poder, como no Níger e Mali em 2021, e Burquina Fasso em 2022. Esses três governos se aproximaram da órbita da Rússia, apostando nas tropas do Grupo Wagner, como forma de tentar neutralizar a insegurança e combater contra o terrorismo.
A República Centro-Africana é um país que desde a sua independência em 1960, foi tomada por seis golpes de poder, mostrando a fragilidade política que perdura até os dias de hoje. Embora diversas tentativas de desarmamento e acordos de paz entre os beligerantes, mediadas pelas Nações Unidas e França, a situação de instabilidade no país que é localizado no “coração” do continente africano permanece tensa.
Em 2023 uma insurgência do grupo Séléka (“aliança” na língua sango), formada por muçulmanos que dominam as regiões norte e leste do país, toma a capital Bangui e destitui o presidente Françõi Bozizé em 2013, este, que governava desde 2003, cujo líder do grupo, Michel Djotodia assume o poder. Em resposta às brutalidades das forças Séléka, são formadas coalizões “anti-balaka” (“anti-machete” em português) de combatentes cristãos se formaram para lançar ataques violentos contra combatentes de Séléka e civis muçulmanos, provocando um conflito renovado que matou e deslocou milhares de pessoas. Os diversos embates terminaram com a intervenção das Nações Unidas em 2014, cujas consequências foram a dissolução do grupo Séléka e a eleição do presidente Faustin Touadéra em 2015.
Em 2020 o cenário voltou a ficar tenso com a proibição do ex-presidente Bozizé de se candidatar as eleições, fazendo com que ele formasse a Coalizão dos Patriotas da Mudança, incluindo membros da RSF do Sudão. Com um sentimento anti-colonial francês na região, o governo local em forma de buscar defesa e segurança, busca apoio dos russos do Grupo Wagner, que vem sendo acusado de interferir nas decisões políticas e comerciais do país. Como na maioria dos casos, o controle dos recursos minerais (diamante) financia grupos e despertam cobiça. Enquanto isso, a crise humanitária continua a piorar, com cerca de 70% da população vivendo em extrema pobreza e aproximadamente 3,4 milhões de pessoas necessitam de assistência.
A guerra civil no Sudão, país vizinho, agravou ainda mais o conflito, com relatos de ataques aéreos e recrutamento de combatentes da República Centro-Africana por forças sudanesas, o que intensifica a violência e a instabilidade na região.
A história da República Democrática do Congo é marcada com muita violência e conflitos, que são acentuados pela riqueza mineral do país, importante fonte de renda para os diversos grupos armados e países vizinhos. Além do elevado número de vidas ceifadas, a guerra na região detém o maior número de deslocados internos do mundo, e somada ao desconhecimento e inexistência cobertura midiática, tudo leva que continuará a ocorrer.
Em 1996 eclodiu a 1ª Guerra do Congo (1996-1997), cujo genocídio na vizinha Ruanda (1994), fez com que os perpetradores hutus, matassem cerca de 1 milhão de tutsis, e depois cerca de 2 milhões deles se refugiaram em Kivu, região da República Democrática do Congo. O governo ruandês, com o pretexto de que esses hutus exilados constituíssem uma ameaça aos tutsis de seu país, invadem o país vizinho, com a ajuda de tropas de Uganda, Angola e Burundi. No ano seguinte, começa a 2ª Guerra do Congo (1998-2002), envolvendo de um lado a República Democrática do Congo, Angola, Namíbia e Zimbábue, e do outro lado, Ruanda, Uganda e Burundi. Os combates se estendem até um acordo de paz entre os envolvidos, em 2002.
Porém, durante o ano de 2000 surge um grupo rebelde denominado M23, cujo avanço das tropas levou a controlar partes das províncias de Kivu do Norte, na RDC. O governo central acusa Ruanda de financiar e apoiar o ressurgimento desse grupo, elevando as tensões na região. Em março de 2024, a ONU informou que o número de pessoas deslocadas internamente na RDC chegou a 7,2 milhões – uma das maiores do mundo. O desastre humanitário resultante de conflitos cíclicos e violentos no Congo, que já matou milhões nas últimas três décadas, continua a se aprofundar. A situação se agrava ainda mais pela cobiça e interesse nas reservas de metais e minerais do país, usadas para produzir eletrônicos avançados. O mundo cada vez mais dependente de cobalto, cobre, zinco, faz com que grupos locais e externos tornaram-se incentivados a se envolver no conflito congolês.
A História do continente africano é marcada por diversos conflitos, fome, pobreza, golpes e contragolpes, muitas delas oriundas da divisão unilateral dos governos europeus, que partilharam o continente entre si não respeitando as diferentes etnias que lá viviam. Essa divisão colocou em um Estado etnias inimigas entre si, que agora buscam a todo custo lutar pelo poder e com isso sobreviver.
Os interesses envolvidos nesses combates em solo africano são dos mais diversos, predominando os recursos minerais, como petróleo, urânio, gás, coltan(mistura dos minerais columbita e tantalita) entre outros, todos importantíssimos nas diversas indústrias de ponta hoje, desde automobilística, comunicações (smartphones etc) entre outros. Desse modo, para que os casos vistos cessem é vital a ação de governos estrangeiros e organizações internacionais. Entretanto, isso somente será possível quando a pressão da opinião pública for exercida, esta, até o momento inerte e sem conhecimento sequer da existência de boa parte desses embates.
Em contrapartida, em solo europeu o conflito entre a Rússia e a Ucrânia continuam, com ampla cobertura televisiva e engajamento de líderes internacionais. Ao que tudo indica continuará por mais tempo, cujos envolvidos não veem o menor interesse de um cessar-fogo…
Escrito por Leonardo Dariva
Relações Internacionais
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