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O Projeto de Dominação Global da China: Uma Década da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR)

Os 10 anos da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) revela a ascensão global da China, transformando a geopolítica com investimentos maciços em infraestrutura, com destaque para desafios e críticas associadas.

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Em outubro deste ano, o plano do governo chinês de Cinturão e Rota (ICR) completou 10 anos, caracterizado pelo investimento chinês em diversas áreas ao redor do mundo.

Iniciada com projetos de infraestrutura na Ásia Central e Sudeste Asiático, visando a ligação com a Europa via ferrovias e novos portos, hoje já abrange diversos segmentos, como exploração de metais e minerais, o mundo digital (internet 5G, lançamento de satélites etc.), energia, estradas etc., além de expandir para áreas como África e América Latina.

O ICR não configura apenas um programa comercial, mas sim um projeto de liderança global e não centrado somente nos países do Ocidente, mostrando, apesar das dificuldades do mundo atual, uma China ampliando sua liderança.

O Cenário Global e a China

A configuração do mundo atual trouxe a Ásia de volta à centralidade internacional, cujo mundo, até então conhecido, não gira mais exclusivamente em torno do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental.

O acelerado crescimento econômico, além da concentração demográfica na região, como China e Índia, respectivamente, são fatores que corroboram com a ascensão dessa parte do planeta.

Verifica-se a reconstrução de um sistema asiático e, ao contrário dos Estados Unidos, onde o país é o ator principal e as demais nações se relacionam de acordo com ele, a China se torna uma alternativa ao Ocidente, configurando apenas uma das peças desse sistema local. Não tendo esse papel de centralidade absoluta na política regional asiática.

Sendo assim, o Ocidente perde sua posição de até então inquestionável, e a China torna-se uma alternativa ao Ocidente, basta notar as sanções impostas ao Irã e Rússia que foram quebradas pela ajuda de Pequim.

A China atual deve-se muito às mudanças na política externa do país que, até então, era voltada para os assuntos internos. Com a ascensão de Xi Jinping (2013) ao poder, a postura torna-se mais assertiva nos debates internacionais. São cinco os pilares que sustentam a globalização atual com características chinesas:

  • 1. Novo paradigma de Cooperação Sul-Sul
  • 2. Atuação da política externa em fóruns internacionais
  • 3. Iniciativa do Cinturão e Rota
  • 4. BRICS+
  • 5. Os 5 princípios de coexistência pacífica

A Costa Chinesa

É importante destacar que a maioria da população chinesa está concentrada na costa leste do país, região essa onde há também os portos e cuja dependência comercial é vital, necessitando, portanto, do acesso marítimo para a importação das matérias-primas e a consequente exportação das mercadorias.

Essa vulnerabilidade da costa reforça a atenção das autoridades locais, dado que os Estados Unidos possuem bases na Coreia do Sul, Filipinas e Japão.

As constantes tensões a respeito de uma invasão à ilha de Taiwan levariam os norte-americanos a efetuarem um possível bloqueio naval que isolaria a costa chinesa, e uma das estratégias para sair desse cerco seria reativar uma conexão com a Eurásia.

É notório o destaque do crescimento econômico chinês mesmo após a Crise de 2008, e uma das estratégias para escapar desse bloqueio seria através de rotas terrestres e marítimas, ligando o país à Europa. Para tal, a Rússia é um elemento político crucial nesse plano, além de configurar um equilíbrio geoestratégico na região da Eurásia, então berço da ICR.

O Que é Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR)

A Nova Rota da Seda, cujo nome oficial é Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), é uma referência a antiga rota comercial que ligava a capital chinesa Xian até o Ocidente para facilitar a conexão entre as economias mais dinâmicas do século XXI, no Sudeste da Ásia, e o maior mercado, a Europa.

Considerada como uma das experiências mais ambiciosas do século XXI, não equivale ao plano Marshall dos Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial, que doou dinheiro às nações europeias.

No caso chinês, ela empresta capital aos países como credora, e posteriormente realiza a cobrança.

Composto por 6 corredores terrestres e 2 rotas marítimas, a ICR se caracteriza pelo investimento e financiamento chinês em infraestruturas em diversos países e segmentos, como novas tecnologias, energia renovável, infraestrutura para comércio, recursos (mineração/gás/petróleo) e alta visibilidade (ferrovias).

Dessa forma, os principais países sócios recebem financiamento em infraestrutura e firmam acordos de cooperação em diversas áreas.

Cabe destacar que muitas rotas e trechos já são existentes, não sendo, portanto, construído do zero pelos chineses.

O objetivo de tal cinturão é ligar a China ao mercado Europeu, seja por via terrestre ou marítima, e nesse caminho promover trocas culturais, econômicas, políticas e comerciais com os países por onde essa rota é estabelecida.

Desde o anúncio, em 2013, até o momento, o ICR está reconfigurando a geografia econômica por meio de investimento maciço em infraestrutura, cujos principais investidores são o Estado e bancos chineses, demonstrando que é um projeto de Estado a longo prazo.

ICR ao Redor do Mundo

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O ICR já apresentou mais de 3000 projetos de cooperação, abrangendo até o momento 155 países que assinaram o Memorando de Entendimento (MoU). Chegando à incrível cifra de U$ 1 trilhão em investimentos ao redor do mundo, abrangendo áreas como infraestrutura, energia, construção, minas e metais por exemplo.

Inicialmente o plano continha apenas algumas regiões asiáticas que fariam a ligação à Europa, mas que com o tempo ampliaram-se para o continente africano e latino-americano, por exemplo, nas mais variadas formas de investimentos e cooperação.

A região da Ásia Central, compreendida pelos países conhecidos pela terminação “-istões” (Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguiztão, Tajiquistão e Turcomenistão), fora denominada pelo autor Halford John Mackinder como o território mais estratégico do Mundo, denominando-a como a “Ilha Mundo”, e quem dominar essa região domina o mundo inteiro.

Os interesses chineses na região são investimentos em gás natural, petróleo e na ferrovia que atravessa a região desde a China interligando-a à Europa.

Formada por ex-países da URSS, a recente Guerra na Ucrânia paira a dúvida dos países que se perguntam se serão os próximos.

Principais Corredores Terrestres

Um dos principais corredores terrestres é a construção da rodovia que liga até o Porto de Gwadar no Paquistão, ambos projetos chineses. A ideia é justamente dar uma opção alternativa a um bloqueio naval e acesso ao Estreito de Malacca (Malásia).

O Paquistão é um país-chave para a China, cuja aliança se dá pelo rival em comum, a Índia, lembrando que a bomba nuclear paquistanesa viera a ser produzida com a ajuda justamente de Pequim.

Merece destaque aqui que Islamabad, capital paquistanesa, foi a primeira a receber o BeiDou chinês, um sistema alternativo ao GPS norte-americano.

Petróleo

Outro país que tem atenção nessa Rota é a República do Irã, grande produtor de petróleo.

No país é interessante verificar a presença do Instituto Confúcio na Universidade de Teerã.

Através do ensino da língua e promovendo os valores chineses, essa Organização facilita os interesses de negócios chineses na nação persa e demonstra o uso do pilar cultural como estratégia nesta região.

Outro fato importante é o uso da diplomacia de Pequim que, aproveitando-se do vácuo norte-americano, ajudou o restabelecimento das relações entre Irã e Arábia Saudita.

Continente Africano

Os altos custos atuais na China e a saturação no Sudeste Asiático fez com que os olhos voltassem para o continente africano, região carente de capital, know how e sistemas. Recursos de posse da China e que vêm em encontro a essas necessidades.

Em busca principalmente de petróleo e recursos naturais, o país efetuará diversas obras de infraestrutura em dezenas de países, de pontes a estádios de futebol, centros de convenções, entre outros.

Porém, na República do Djibouti, país situado no “Chifre da África”, encontra-se a primeira base militar chinesa fora de seu território. Uma região de extrema importância devido à proximidade ao Oriente Médio e rotas que passam pelo Canal de Suez, no Egito, em direção à Europa.

América Latina

Apesar do projeto ICR iniciar com prioridades de regiões vizinhas, alcançou novas regiões do planeta, entre elas a América Latina.

Na região 21 nações já aderiram à iniciativa, entre eles a Argentina, Uruguai, Chile, Peru, Equador e Venezuela.

Embora alguns projetos tiveram êxito na região, como o maior parque solar da América Latina em Jujuy, na Argentina, e o megaporto de Chancay, no Peru, há muita desconfiança na região, que fez com que a Bolívia suspendesse ou cancelasse U$ 1 bi em projetos financiados pelos chineses.

Até o momento o Brasil resiste em aderir ao projeto e acredita-se que assim continuará com esse posicionamento.

Principais Críticas ao ICR

Mas nem tudo são flores no projeto chinês ao redor do mundo.

Entre as principais críticas está a influência chinesa em países mais vulneráveis, causando endividamento em países mais pobres. Um exemplo bem claro é o de Sri Lanka, cuja falha em pagamento ao credor fez com que o Porto de Hambantota passasse a ser por 99 anos de domínio chinês.

Portanto essa estratégia de ICR nada mais seria do que uma debt-trap diplomacy, ou seja, uma armadilha em que um país credor estende a dívida a uma nação mutuária parcial ou exclusivamente para aumentar a influência política do credor.

Outra questão levantada é que os contratos estabelecidos possuem cláusulas de confidencialidade e, portanto, não há transparência sobre as consequências caso não for efetuada a quitação do financiamento. Muitos países podem ser condenados se não pagarem esses empréstimos e, devido à cláusula, pouco pode se saber sobre as reais consequências disso.

Ademais, as obras empregam em sua maioria empresas e trabalhadores chineses. Esse fato contribui em pouco para a economia local, dado que é costumeiro a volta dessa mão-de-obra ao país de origem, não aplicando os recursos onde eles estiverem.

Além disso, questiona-se a forma como a China é vista no Ocidente, com estilo ditatorial e pela falta de respeito aos direitos humanos.

O ICR e Seus Desdobramentos

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Como visto, o ICR é composto de estratégias de cunho político, comerciais, econômicos, culturais, tecnológicos e militares como expressão material da expansão do poder da China.

Aproveitando-se do vácuo norte-americano na liderança global, os chineses aos poucos vão ampliando seu espaço de influência em diversos lugares do planeta.

Ao contrário dos Estados Unidos, o governo de Pequim não julga o regime político local, nem ao menos obriga alinhar suas ideologias em troca, como acontece com os Estados Unidos em relação a democracia, defesa dos Direitos Humanos, entre outros temas, o que leva muitos governos a apreciar tal gesto e aceitar fazer planos do projeto.

Cabe destacar aqui que não há imposições chinesas para o aceite, embora seja sabido que esses países com necessidade de infraestrutura mal têm condições de pagar tais empréstimos.

A China atualmente passa por uma desaceleração econômica que preocupa muitos líderes mundiais, o que levanta suspeitas sobre a continuidade do projeto, sobretudo com o comprometimento do G7 em contrapor as ações do ICR em oferecer pacotes de ajuda em infraestrutura.

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Escrito por Leonardo Dariva

Relações Internacionais

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